sábado, 8 de abril de 2023

Ciências Policiais: conceito, objeto e método e investigação científica

Certamente as “Ciências Policiais” não nascem em um momento estanque, mas são fruto de uma construção histórica, que se confunde com a própria existência da polícia o que, por si só, já sugere seu embrião nas mais primitivas organizações sociais e sua estruturação na formação do Estado Moderno. Por essa razão, não comungamos com aqueles que anunciam uma “nova ciência policial”, que precisaria ser construída; a ideia nos soa de todo presunçosa ou casuística, com aparente intenção de um tipo de personalismo desbravador, o que não é o caso. Como todos os campos do conhecimento humano, dia a dia novas dúvidas, novos problemas, ensejam novos métodos de pesquisa, que acabam por revelar “novas verdades” e soluções mais efetivas.

O desafio nesta obra foi em avançar na definição dos elementos que darão a identidade epistemológica das Ciências Policiais, a partir da certeza de que seu objeto é fruto tanto de conhecimento gerado pelos que integram a polícia, quanto aquele que os policiais se apropriam de outros campos do saber, apresentando aos pesquisadores elementos essenciais de metodologia, métodos, tipos de pesquisa e normalização de trabalhos científicos. Esta obra vem publicada em sua 1ª Edição pelo Governo de Portugal (ISBN 978-972-8630-32-4) e lançada na Feira do Livro de Lisboa (Setembro de 2022), graças à bem-sucedida parceria científica com o Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna (ISCPSI), o Centro de Investigação (ICPOL) e Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), aos 40 anos das Ciências Policiais naquele país, inaugurando futuros intercâmbios científicos na Comunidade dos países de língua portuguesa e Espaço Europeu. Agora, para atender ao público brasileiro e da América Latina, ela é publicada pelo Grupo HN essa 2ª Edição, em sua primeira edição brasileira.

O livro pode ser adquiro no site da editora HN (https://editorahn.com.br/produto/ciencias-policiais/) ou por meio do Whatsapp  ((84) 98702-9560) com um dos autores, João Batista da Silva.

sábado, 1 de agosto de 2020

Formação policial militar: qual o nível de profissionalização do policial brasileiro?

O livro Formação policial-militar no século XXI é o resultado da pesquisa de Mestrado realizada em 2007-2009, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, na qual investiguei o processo de formação policial militar nas duas últimas décadas do século XX e a  que se executa atualmente, em especial, nos anos 2000-2010 na formação dos soldados da Polícia Militar do Rio Grande do Norte (PMRN).

Sem perder de vista o panorama nacional acerca da formação dos demais profissionais se segurança pública do país, busquei analisar por meio de dados estatísticos os parâmetros formativos desses profissionais, sua cultura militar e a dicotomia currículo oficial/oculto que ainda parece permear essa seara educacional.  


Capa
"No vasto campo de produção de saberes sobre a segurança pública, no Brasil, a reflexão sobre a estratégica questão da formação policial tem sido tratada com superficialidade. Além de ensaios nos quais a retórica se sobrepõe à análise objetiva, temos trabalhos com pouca baliza metodológica e quase nenhum referencial empírico que lhes forneçam substância. Essa lacuna tem se traduzido em um grande prejuízo na formulação de políticas públicas para a área de segurança pública. Afinal, como propor programas e ações para o trabalho policial se não contamos com análises sérias sobre o complexo processo de formação dos principais sujeitos dessas políticas, que são exatamente os policiais? Sem essa base, tais políticas têm se transformado em propostas deslocadas da realidade concreta. Isso porque não estão alicerçadas no conhecimento aprofundado do chão social no qual os operadores da segurança pública constroem normas, socializam valores e incorporam os saberes e práticas. O resultado mais danoso dessa situação, em especial, nos últimos anos, tem sido um formidável desperdício de recursos públicos em processos pedagógicos destituídos de conexão com o real. 

Neste livro, João Batista da Silva, nos apresenta um trabalho que cumpre o desafio de aportar elementos para a superação da lacuna acima identificada. O leitor tem em mãos um trabalho de pesquisa que conjuga o rigor analítico do bom cientista social com o engajamento apaixonado do cidadão que se sente obrigado a intervir no universo social que o circunda. Unindo dados oriundos do trabalho etnográfico, da observação participante e da análise de conteúdo, o trabalho traz análises que podem ser de grande utilidade para todos quantos queiram não apenas refletir, mas também, intervir no campo da formação policial no Brasil contemporâneo. Após a sua leitura, tenho certeza, o leitor(a) confirmará a nossa percepção de que temos aqui uma valiosa contribuição intelectual ao campo da segurança pública em nosso país."

Edmilson Lopes Júnior
Pró‐Reitor de Extensão da UFRN


O livro foi lançado em 2018, pela Fundação José Augusto, editora Manimbu, Natal(RN) e pode ser adquirido pelo e-mail: jbsbrown@yahoo.com.br ou pelo what's app (84)98702-9560.

segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Afinal, temos uma Ministério da Segurança, ou apenas da Justiça?



Saudações internautas!!!!!

Em tempos de cólera, como diria Gabriel Garcia Marquez, por que não falar das flores, como disse, em um passado não tão remoto assim, Geraldo Vandré....

Passado pouco mais de um ano da criação do Sistema Único da Segurança Pública (SUSP)[1] e da criação do Ministério da Segurança Pública, que já foi extraordinário[2] e teve autonomia própria, mesmo que por pouco mais de cinco meses (durante o governo de Michel Temer), sendo um ministério apenas da Segurança Pública[3], após 06 meses da administração de Jair Bolsonaro a pasta da segurança volta a estar subordinada ao Ministério da Justiça[4].

Essa reorganização, a priori, não tem representado mudança no estado de coisa que se engendrou no país nessa área, em especial, porque esse ministério demanda de medidas que possam se contrapor de forma mais sistêmica e efetiva à criminalidade violenta, que tem aumentado, significativamente, como fora constatado no último Atlas de Violência (IPEA; FBSP, 2019)[5].

Nesse sentido, carente ainda de análise (científica) acerca da temática, dado ao curto período de existência do agora intitulado Ministério da Justiça e da Segurança Pública, lanço mão de uma teorização elaborada por dois pesquisadores, membros do Instituto Brasileiro de Segurança Pública (IBSP), conforme a seguir, os quais abordam o temática sob a perspectiva da teoria dos sistemas, cujo paper pode ser originalmente acessado neste link.


“Saiu” a Lei do Sistema Único de Segurança Pública! Como afinal monitorar a sinergia entre os três níveis federativos?


MARCINEIRO, Nazareno & REIS, Gilberto Protásio dos[1]



A segurança pública brasileira tem padecido de uma crise crônica de esterilidade explicativa. Há uma dificuldade generalizada de perceber e aplicar conceitos e isso se deve à subestimação da força esterilizante tanto do empirismo radical como do idealismo puro[2]. Uma das medidas adotadas pelas autoridades competentes para lidar com um dos aspectos desse problema – a falta de sinergia no interior da Administração Pública nos três níveis da Federação, no trato com a criminalidade – é a edição de lei federal instituindo o instrumento legal para que induza a integração de esforços. Nesse sentido, o Senado acaba de aprovar e enviar para a sanção do Presidente da República o Projeto de Lei da Câmara n° 19, de 2018, que institui o Sistema Único de Segurança Pública (Susp).
Essa inovação legislativa apresenta alguns pontos que podem ser pensados a partir das insuficiências que o texto apresenta e das oportunidades que ela enseja. Em relação a estas últimas, os autores, membros do Instituto Brasileiro de Segurança Pública (IBSP), vêm aqui apresentar duas metodologias – partindo de experiências de sucesso havidas por pesquisadores policiais-militares que o integram – em Santa Catarina e Minas Gerais. Volta-se a esse ponto mais adiante. Quanto às primeiras, falta sistematicidade ao conjunto da obra, que mais parece uma “colcha de retalhos” feita para atender interesses múltiplos em vez de ajudar a atingir um objetivo comum a todos os envolvidos. Tal fragilidade se observa no nível conceitual, prático e temático.

Conceitualmente, a lei mostra-se desprovida de uma inteligência unificadora, que teria dado ao texto aquilo que o legislador parece ter pretendido, mas não conseguiu realizar: é indubitável, a começar da ementa dessa lei, a intenção de gerar um processo de segurança pública, pois a União está por via dessa inovação legislativa intervindo em questões operacionais que fogem da sua esfera de responsabilidade. Contudo, uma lei que se propõe a gerar um sistema teria que restringir a sua abordagem à dimensão Estratégica, propondo Políticas e Diretrizes, conforme é possível visualizar na figura abaixo, coisa que na redação legal não ocorreu. Teria sido coerente organizar o texto (e a atuação dos órgãos) em níveis e funções, indicando a habilidade demandada e os documentos a serem produzidos em cada um daqueles.
Tal deficiência da norma ora analisada denota uma desconsideração do conceito de sistema, o qual não se confunde com (nem se limita a) o de conjunto de órgãos. O “caput” do artigo 9º traz isto, pois ali se lê que o Susp tem no centro o Ministério Extraordinário da Segurança Pública (MESP) e na composição, as organizações relacionadas no art. 144 da Constituição da República, os agentes penitenciários, as guardas municipais e outros –, mas passa longe do que realmente é um sistema, na clássica definição dada pelo biólogo austríaco Ludwig von Bertalanffy (1901-1972), que idealizou a “teoria geral dos sistemas”, como “o conjunto de fatores interligados com funções específicas[3]. O esquema destes – no caso o sistema da segurança pública – é o composto pelas ideias de prevenção, reação e punição; e cada uma delas engloba órgãos que atuam em momentos (e processos gerenciais) distintos do enfrentamento da criminalidade. Não basta, por isso, indicar quem integra o organograma federativo, mas sim como as partes devem se intercomunicar.

Ainda na dimensão das falhas conceituais, nota-se nessa lei que o descuido em relação ao referido conceito central engendra um outro: o da adoção de um subconceito anacrônico, muito limitado quando considerada a ideia maior de sistema. Esse problema é observável no artigo 6º, II, que prevê, dentre os objetivos da Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS, uma hipersigla de difícil memorização e nulo valor comunicativo!), o apoio às ações de manutenção da ordem pública, bem como da incolumidade das pessoas, do patrimônio, do meio ambiente, além de aos bens e direitos, genericamente postos na redação. O uso do vocábulo “manutenção” nesse contexto denota claramente uma desconexão da lei com a teoria de polícia vigente, na qual essa palavra foi há muito tempo substituída por outra mais abrangente (“preservação”), que tem alcance maior ao envolver a ideia de restauração.

Do ponto de vista prático, outra insuficiência na redação dessa lei é a ausência de um esquema de cooperação entre os órgãos de segurança pública e os de persecução penal e justiça criminal. A prática do trabalho das Polícias Militares não deixa dúvidas de que os promotores de justiça e os juízes de Direito têm importância crucial na engrenagem da reação criminal, conforme fica nítido no caso dos Termos Circunstanciados de Ocorrência (TCOs), avanço importante conquistado por essas corporações a partir da iniciativa tomada na esteira da Lei Federal nº 9.099, de 23 de setembro de 1995, de modo pioneiro em todo o país, nos anos 1990, em São José do Rio Preto, interior de São Paulo[4].

Quanto à questão temática, há um descabido encaixe de temas sindicalistas, como é o caso do artigo 9º, § 3º, que traz uma caracterização da atividade dos agentes penitenciários como sendo de natureza policial. Essa demanda é antiga por parte da categoria, que faz tempo almejava ser tratada como polícia, mas isso nada tem de elos com a coisa da qual o Susp precisa cuidar. O mesmo se diga do artigo 44: nele volta-se ao deslocado tema da natureza policial, desta feita quanto ao tempo de serviço dos profissionais aludidos no artigo 144 da Constituição, nítida reincidência de desvio temático.
Inobstante essas falhas inegáveis, a Lei do Susp abre possibilidades interessantes. Uma delas é a que se vê no artigo 26, que institui, no âmbito desse sistema um outro: o Sistema Nacional de Acompanhamento e Avaliação das Políticas de Segurança Pública e Defesa Social(Sinaped). Apesar da confusão terminológica e da redundância de um sistema dentro de outro, a ideia é boa. Ademais, o artigo 31, III, dispõe que haverá uma análise global e integrada entre diagnósticos, estruturas, compromissos, finalidades e resultados, no tocante às políticas de segurança pública e defesa social. Nesse sentido, a oportunidade aberta é a de o IBSP cooperar com o MESP com duas metodologias: uma que foi testada na Polícia Militar de Santa Catarina (PMSC) e outra que foi testada, quanto à viabilidade, no Sistema de Defesa Social de Minas Gerais.

Quanto à primeira, trata-se da Metodologia Multicritério em Apoio da Decisão – Construtivista (MCDA-C). Ela consiste em integrar o desempenho dos órgãos quanto aos indicadores. Isso é importante porque viabiliza o atendimento dos critérios que estão subentendidos nessa lei: (i) abordagem; (ii) singularidade; (iii) processo para identificar; (iv) mensuração; (v) integração; e (vi) gestão, que poderão ser definidos oportunamente. A esse respeito, o seu uso na PMSC apresentou considerável resultado no planejamento estratégico daquela Corporação, a partir do ano de 2.011[5], tendo gerado bons resultados na segurança pública do Estado, conforme restou provado na pesquisa sobre as melhorias na cidade de Camboriú[6].

Já a segunda consiste na Metodologia de Gestão de Projetos Complexos de Longo Prazo[7], que engloba cinco indicadores para monitorar: (i) o nível de coerência entre planejamento e execução orçamentária, (ii) a cooperação estratégica entre organizações que estejam irmanadas em uma estratégia e metas comuns, (iii) a gestão do conhecimento entre os níveis técnicos formadores dessa rede, (iv) a ênfase em processos e resultados, numa lógica menos burocrática e mais gerencial, e (v) o discernimento ético da população. Este último indicador torna possível acompanhar aquilo que, nos anos 1.970, o jurista Heleno Fragoso já identificara como indispensável a todo esforço do Estado na segurança pública: evitar que pessoas de bem se tornem criminosas[8].  Essa tipologia teve sua versão em linguagem menos técnica circulando nas bancas de revistas especializadas em tecnologia e defesa de todo o Brasil, em 2010[9], depois foi testada empiricamente e aprovada no nível da comunidade de técnicos atuantes no Sistema de Defesa Social de Minas Gerais, em 2011[10], recebeu apoio editorial da Secretaria Nacional de Segurança Pública[11], no mesmo ano, bem como do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP)[12] em 2013.

A segurança pública é responsabilidade de todos. Com essas duas metodologias os autores acreditam que o IBSP esteja pronto para colaborar para que o sucesso da Lei do Sistema Único de Segurança Pública não fique condicionado apenas ao hercúleo esforço das corporações que ela mobiliza. A segurança pública no Brasil precisa ser entendida e administrada de forma sistêmica, com a devida ancoragem científica em conceitos claros, processos de gestão bem definidos e instrumentos de avaliação à altura da complexidade desse empreendimento.

* Nota da Redação: o texto dos autógrafos do Projeto de Lei da Câmara n° 19, de 2018, enviado à sanção presidencial em 22/05/2018 está disponível em https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7734534&disposition=inline

Notas
[1] Texto e notas elaborados por Nazareno Marcineiro, membro associado do IBSP, Doutor e Mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2001/2017). Atualmente é coronel da Reserva Remunerada da Polícia Militar de Santa Catarina, tendo exercido os cargos de Comandante-Geral da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina entre janeiro de 2011 a maio de 2014, Presidente do Conselho Nacional de Comandantes-Gerais de Polícias e Bombeiros Militares (2012) e Diretor da Força Nacional de Segurança Pública em 2015, e coelaborado por Gilberto Protásio dos Reis, Presidente do Conselho Editorial do IBSP, Coronel da Reserva da Polícia Militar de Minas Gerais, Doutor em Ciências Sociais (PUC/MG), Mestre em Administração Pública (FJP/MG), Especialista em Gestão Estratégica da Segurança Pública (FJP/MG), Especialista em Segurança Pública (FJP/MG). Homenageado pelo Governo de Minas Gerais, em 2006 e 2008, com o II e o IV “Prêmio Excelência em Gestão Pública do Estado de Minas Gerais”, por inovações na gestão estratégica da segurança pública; membro em 2007 do Grupo de Trabalho da SENASP/Ministério da Justiça para a elaboração de uma plataforma nacional de avaliação do desempenho das organizações policiais brasileiras, e da Secretaria de Estado de Defesa Social/Governo de Minas Gerais, em 2009, 2010 e 2011 (recondução), sobre avaliação do desempenho dos órgãos do sistema de defesa social.
[2] REIS, Gilberto Protásio dos. O Instituto Brasileiro de Segurança Pública e o desafio da escolha do paradigma para alta performance na observação científica da criminalidade. Revista do Instituto Brasileiro de Segurança Pública, v. 1, n. 1, p. 24-54, 2018. Disponível em: < http://ibsp.org.br/ibsp/revista/index.php/RIBSP >. Acesso em: 23 maio 2018.
[3] BERTALANFFY, Ludwig von. General systems theory: foundations, desevelopment, aplications. New York: George Braziller, 1968.
[4] SILVA JÚNIOR, Azor Lopes da. Prática policial: um caminho para a modernidade legal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 38, 1 jan. 2000. Disponível em: < https://jus.com.br/artigos/1596 >. Acesso em: 25 maio 2018.
[5] MARCINEIRO, N. ; TASCA, J. E. ; ROSA, I. O. ; ENSSLIN, L. ; FORCELLINI, F. A. . Plano de Comando da Polícia Militar de Santa Catarina: a construção de um modelo de gestão por meio da MCDA-C. Revista Brasileira de Segurança Pública, v. 9, p. 184-210, 2015.
[6] REIS, R. R. ; MARCINEIRO, N. . Análise da Contribuição da avaliação de desempenho da PMSC na redução dos indicadores de letalidade violenta na cidade de Camboriú em 2013. Ordem Pública, v. 7, p. 79-99, 2014.
[7] REIS, Gilberto Protásio dos. Políticas de Estado na segurança pública: metodologias para gestão de longo prazo no Brasil. São Paulo: Sicurezza, 2014.
[8] Ele afirma que “[…] a luta contra a criminalidade deve ser reconhecida como uma das tarefas mais importantes da sociedade e […] essa luta exige meios de ação diversos […] não apenas proteger a sociedade contra os criminosos, mas também proteger os membros da sociedade contra o risco de tornarem-se criminosos.” In: FRAGOSO, Heleno. Prefácio. In: ANCEL, Marc. A nova defesa social. Rio de Janeiro: Forense, p. vii-viii, 1979.
[9] LISTGARTENS. C. ; Protásio,Gilberto. . GovernançaAccountability e Políticas Públicas de Longo PrazoTecnologia & DefesaSão Paulop18 – 2501 dez. 2010.
[10] SANTOS, Edson dos. Criação e compartilhamento de conhecimentos no sistema de Defesa Social mineiro. Belo Horizonte: Faculdade de Engenharia de Minas Gerais, 2011 (Monografia de Conclusão de Curso em Engenharia de Produção). MARQUES, Marieta Apgaua. Governança social, accountability e políticas públicas em Minas Gerais: percepção sobre indicadores de gestão de longo prazo no Conselho de Defesa Social. Belo Horizonte: Escola de Formação de Oficiais da Academia de Polícia Militar de Minas Gerais, 2011. (Monografia de Conclusão do Bacharelado em Ciências Militares com ênfase em Defesa Social).
[11] REIS, Gilberto Protásio dos. Gestão da Segurança Pública no Brasil: vetores de análise e dimensões de gestão de projetos interorganizacionais de longo prazo. Revista Segurança, Justiça e Cidadania, Brasília, v. 3, n. 5, p. 151-176, 2011. Disponível em: < http://www.justica.gov.br/sua-seguranca/seguranca-publica/analise-e-pesquisa/download/revista_seguranca/revista-seguranca-justica-e-cidadania_numero-5.pdf >. Acesso em: 24 maio 2018.
[12] REIS, Gilberto Protásio dos [et al]. Gestão da defesa social em Minas Gerais: contar crimes é suficiente? Revista Brasileira de Segurança Pública. São Paulo, v. 7, n. 2, 162-181, ago-set 2013. Disponível em: < http://revista.forumseguranca.org.br/index.php/rbsp/article/viewFile/333/153 >. Acesso em 24 maio 2018.




[1] BRASIL. Lei Federal nº 13.675 de 11 de junho 2018. Disciplina a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, nos termos do § 7º do art. 144 da Constituição Federal; cria a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS); institui o Sistema Único de Segurança Pública (Susp); altera a Lei Complementar nº 79, de 7 de janeiro de 1994, a Lei nº 10.201, de 14 de fevereiro de 2001, e a Lei nº 11.530, de 24 de outubro de 2007; e revoga dispositivos da Lei nº 12.681, de 4 de julho de 2012 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13675.htm. Acesso em: 05 Ago. 2019.
[2] BRASIL. Lei Federal nº 13.502, de 1º de novembro de 2017. Estabelece a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios; altera a Lei nº 13.334, de 13 de setembro de 2016; e revoga a Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, e a Medida Provisória nº 768, de 2 de fevereiro de 2017.Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13502.htm. Acesso em: 05 de Ago. 2017.
[3] BRASIL. Lei Federal nº 13.690 de 10 de julho 2018 Altera a Lei nº 13.502, de 1º de novembro de 2017, que dispõe sobre a organização básica da Presidência da República e dos Ministérios, para criar o Ministério da Segurança Pública, e as Leis n º11.134, de 15 de julho de 2005, e 9.264, de 7 de fevereiro de 1996; e revoga dispositivos da Lei nº 11.483, de 31 de maio de 2007. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13690.htm. Acesso em: 05 Ago. 2019.
[4] BRASIL. Lei Federal nº 13.844 de 18 de junho de 2019. Estabelece a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios; altera as Leis nos 13.334, de 13 de setembro de 2016, 9.069, de 29 de junho de 1995, 11.457, de 16 de março de 2007, 9.984, de 17 de julho de 2000, 9.433, de 8 de janeiro de 1997, 8.001, de 13 de março de 1990, 11.952, de 25 de junho de 2009, 10.559, de 13 de novembro de 2002, 11.440, de 29 de dezembro de 2006, 9.613, de 3 de março de 1998, 11.473, de 10 de maio de 2007, e 13.346, de 10 de outubro de 2016; e revoga dispositivos das Leis nos 10.233, de 5 de junho de 2001, e 11.284, de 2 de março de 2006, e a Lei nº 13.502, de 1º de novembro de 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13844.htm#art85. Acesso em: 05 Ago. 2019.

terça-feira, 30 de julho de 2019

Formação policial-militar no Brasil


Saudações internautas!

Retomando uma temática sempre recorrente na segurança pública brasileira, compartilho aqui um trecho do capítulo 2 do livro Formação policial-militar o século XXI: diagnósticos e perspectivas.


Pensando para além do currículo oficial


Formatura matinal - Policial apresenta a tropa ao Comandante do CFAPM[1]

Fonte: arquivos fotográficos do CFAPM 2007, (SILVA, 2009, p.28)


Durante o período de formação inicial, por uma falta disciplinar, ou inadequação à doutrina militar, os alunos podem perder o direito à liberdade nos finais de semana, por meio da Licença Cassada (LC). Essa punição disciplinar impede alunos de cursos de formação nas Polícias Militares, no Brasil, de deixarem os Centros de Formação ou as Academias, aos finais de semana, devendo o referido aluno permanecer aquartelado (detido). 

O procedimento é adotado por meio de uma nota de punição, escrita, na qual é dado o direito de defesa, ao aluno, podendo esta, ser redigida pelo próprio, por oficial (dativo), ou advogado, fundamentando o porquê da transgressão escolar, buscando evitar que o aluno fique detido no quartel. 

Acerca dessa temática, escreveu AMARAL (2008)15, tentando esclarecer que o cidadão militar não deve ser tolhido de sua liberdade em hipótese alguma, a não ser por crime, após sentença transitada e julgada. Segundo o autor, os casos de punição disciplinar devem ser amparados pelo instituto do habeas corpus, tanto quanto, o são, nos casos de crimes cometidos por civis. 

Defende o autor que o cidadão militar não poder ser, de forma alguma, diferenciado do não militar, respaldando-se, para tanto, na Carta Magna, no caput do Artigo 5° que, estabelece que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...] (BRASIL, 1988). 

Segundo Amaral (2008), todas as pessoas são iguais perante a lei, contudo, o inciso LXI, da própria Constituição, que diferencia os cidadãos militares, dos demais cidadãos, é discriminatório, devendo, portanto, ser abolido já que não encontra amparo no caput do próprio artigo 5°, pois “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada por autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime, propriamente militar, definidos em lei” (BRASIL, 1988). (Grifei). 

É, pois, a partir de distorções ou legislações ambíguas que se cria e recria a imagem ou a cultura de separação ou apartamento entre o cidadão civil e o militar, causando um hiato entre cidadãos que deveriam ser vistos de forma igualitária. Em que pese haver transcorrido quase trinta anos da promulgação da CF/88, o Decreto-Lei Federal nº 88.777/1983, que regulamenta a atuação das Polícias Militares, atrelando-as ao Exército Brasileiro, continua em plena vigência, contudo após a criação da SENASP (1997), a formação e recapacitação dos profissionais de segurança pública passaram a ser norteadas por essa Secretaria, especialmente, com a institucionalização das Bases Curriculares (BRASIL, 2000) e da MCN (BRASIL, 2003), os quais são diferenciados dos demais funcionários públicos pela Emenda Constitucional n° 18. 

Ora investido da postura de investigador sociólogo/ educador (NUNES, 1978), ora da alma policial-militar, buscou-se produzir a interpretação da cultura institucional na qual adentrei e que forneceu os instrumentos para a construção de uma identidade profissional e social. 

É como algo apreendido desde a mais tenra idade, pois, em uma formação celibatária, como é a policial-militar, ou algo que o valha, incorpora-se no indivíduo, não apenas quando ingressa nos cursos de formação, mas por meio de todas as interações sociais na Corporação. É como se estivesse presente na identidade do indivíduo desde a infância, tornando-se sua própria personificação (BERG; LUCKMANN, 1985). 

Este capítulo versa, portanto, sobre a formação policial-militar, sobretudo, buscando levar o leitor(a) ao universo no qual está inserido o futuro profissional de segurança pública. Nessa empreitada investigativa e, também, analítico-crítica, o capítulo foi dividido em três partes: a primeira trata da formação policial-militar a partir de uma perspectiva sociológica; a segunda busca desvelar, por meio da técnica observação participante, o que ocorreu no Curso de Formação de Soldados (2007) e quais são os aspectos formais e informais que permeiam e influenciam essa formação, e a terceira e última parte procura analisar se há uma dicotomia e desdobramentos entre policial e militar ou vice versa.

Formação policial-militar: uma segunda socialização 

[...] depois que entrou em minha vida, a polícia nunca mais saiu. Acho que nunca vai sair. (SOARES; BATISTA; PIMENTEL, 2006). 


O processo de socialização é a porta de entrada do homem para vida em sociedade, que ocorre, inicialmente, no seio da família, pelas interações socioeducativas não formais e vai ser aprimorado na Escola, perpassando, assim, toda a vida do indivíduo, atuando de forma intensa ou sutil, na maioria das vezes, de forma naturalizada e, também, por meio da profissão que esse indivíduo escolheu, a partir da qual absorve os comportamentos sociais inerentes aos mais variados contextos (LUCKMAN; BERGER, 2003). 

Não obstante a socialização ocorrer por meio da incorporação das disposições socioculturais de forma impositiva, o indivíduo não o sente como tal, mas o deseja, pois se identifica com a realidade que o cerca, como algo naturalizado. É, portando, nessa perspectiva que a formação policial, militarizada, extremamente ritualizada, é incorporada na personalidade do indivíduo. 

Pensando para além da doutrina militar, mas, sobretudo visando analisar a temática da urgência e necessidade de uma melhor formação e qualificação profissional dos agentes de segurança pública, especialmente, o policial militar, questionava-me a respeito da razoabilidade desses instrumentos “educativos”, entre eles, a Licença Cassada, na atualidade. 

Defende-se neste livro que instrumentos como a LC devem ser banidos dos Centros  de Formação e das Academias das Polícias Militares, haja vista, uma das maiores demandas da formação policial deve ser, atualmente, a capacitação do policial para uma atuação cada vez mais próxima da sociedade. Esse princípio da proximidade pode/deve ser fundamentado, por exemplo, por meio da filosofia de Polícia Comunitária. 

Nos dias atuais essa premissa é largamente utilizada na Europa, Japão, Estados Unidos e, também, em alguns países da América Latina, com destaque para Colômbia, onde “la policia de proximidad” é um instrumento de prevenção e, consequentemente, redução dos índices de violência e criminalidade (BAYLEY, 2002). 

No Brasil, paradoxalmente, no início da carreira profissional os policiais militares são apresentados, literalmente, a esses mecanismos de tolhimento de liberdade que farão parte de toda sua atividade profissional. Após o período de formação a LC não mais será aplicada com essa nomenclatura, porém, a partir daí, serão utilizadas as detenções e as prisões, ambas, devidamente, amparadas nos Regulamentos Disciplinares das Polícias Militares (RDPM).

Com uma formação, extremamente, marcada pela doutrina do Exército Brasileiro, até os dias atuais, o Decreto-Lei Federal nº 667/1969, que reorganizou as Polícias Militares e, também, os Corpos de Bombeiros Militares, imprimiu/imprime a essas Corporações características muito mais militares do que policiais e, menos ainda, de defesa civil, aos Corpos de Bombeiros. Nesse sentido, sua formação, especialmente, na Polícia Militar, guarda nuances específicas que provocou um hiato entre polícia e sociedade (MUNIZ, 2001). 


[....]


FONTE:

SILVA, João Batista da. Pensando para além do currículo oficial. In: Formação policial-militar no século XXI: diagnósticos e perspectivas.  Natal: Fundação José Augusto, 2017, p. 45-96.



Informações sobre como adquirir o livro

Em Natal, o livro está disponível para compra na Cooperativa Cultural, no Campus da UFRN, nas lojas da Caserna, no Alecrim e na Dominus Militaria, em Tirol, ou pela Internet clicando aqui. ou ainda pelo Whats App (84)98702-9560.



[1] Centro de Formação e Aperfeiçoamento da Polícia Militar do Rio Grande do Norte.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

HERÓI OU VILÃO? VÍTIMAS OU ALGOZES? QUEM SÃO OS PROFISSIONAIS DE SEGURANÇA BRASILEIROS?

Saudações internautas!

Após um período sem postagens, compartilho aqui o ensaio publicado no número 3 da Revista do Instituto Brasileiro de Segurança Pública (RISBP), que aborda, brevemente,  a vitimização policial no Brasil, dada à complexidade da problemática e os limites especiais da revista. Apesar de breve, busca-se levantar alguns fatores relevantes para a temática proposta. Este e outros textos sobre a segurança pública no país podem ser acessados neste link

Boa leitura!

HERÓI  OU  VILÃO?  VÍTIMAS  OU  ALGOZES?  QUEM  SÃO  OS PROFISSIONAIS DE SEGURANÇA BRASILEIROS? 
João Batista da Silva[1]
 
Parafraseando um colega de trabalho[1] trago para discussão uma temática deveras atual - a violência banalizada no cotidiano brasileiro – que, segundo Minayo (2003)[2], entre outras causas este fenômeno pode estar relacionado à violência estrutural, que se instaura por meio de estruturas organizadas e institucionalizadas por meio de sistemas econômicos, culturais, políticos e também da família, que oprime e subjuga indivíduos, grupos, classes e até nações; à violência de resistência, instituída por oposição de grupos, classes, nações e, até mesmo de indivíduos, que são subjugados e oprimidos pela violência estrutural, a partir de mecanismos de dominação; e, por fim, à violência da delinquência, que se caracteriza por ações criminalizadas, praticadas por indivíduos ou grupos de forma organizada ou não.
Não importa a região do país, notoriamente os índices da criminalidade violenta, tiveram uma ascendência exponencial na última década (MAPA DA VIOLÊNCIA, 2016). Paradoxalmente, nesse contexto, alguns teóricos chegam a defender que muitas da mortes violentas praticadas no Brasil, tem como principal causador um profissional de segurança pública[3], particularmente, o policial militar. (BUENO, LIMA, 2018)[4].
Na outra extremidade dessa discussão, há dados, também, bastante elevados acerca da vitimização policial no país, em sua maioria policiais militares (IBGE, 2016), tragédia essa que ocorre em horário de serviço, quando esse agente atua como legítimo representante do Estado, mas principalmente durante a sua “folga”. Neste último caso, em geral, o policial está operando como segurança particular (BRAGA; SILVA)[5], geralmente, com o intuito de aumentar sua renda familiar. Uma realidade praticamente igual em todos os estados brasileiros, que no Rio de Janeiro, São Paulo e no Nordeste, especialmente, no Rio Grande do Norte, tem se tornado uma das principais causas de morte de policiais[6].
Para além de uma análise meramente quantitativa, este fato social (DURKHEIM, 2001) carece ser minimamente aprofundado no campo científico, visto que envolve problemáticas de áreas diversas do conhecimento, em particular, a segurança pública, nem sempre conhecida por parte de muitos cientistas sociais, os quais, ainda se auto intitulam especialistas em segurança pública. Estes, por seu turno, muitas vezes se arvoram em suas teorias, fazendo elaborações sem a devida fundamentação metodológica, tampouco científica.
Nessa perspectiva, apresento três hipóteses que julgo pertinentes constarem em uma teorização acerca da violência no Brasil. Incialmente, considero ser metodológica e cientificamente incoerente concluir que apenas um dos atores dessa problemática – os policiais e/ou suas instituições -, sejam julgados incompetentes para controlar os altos índices de homicídios no país, pois pela existência de diversas instâncias e atores sociais envolvidos, direta e indiretamente, no problema, como poderia o profissional e/ou suas instituições serem os únicos ou principais responsabilizados pelo caos da segurança pública no país?
Segundo, estando este profissional inserido em uma conjuntural social que já apresenta um “certo” estado de anomia social (DURKHEIM, 2001), não estaria ele envolvido em uma teia social (SOUZA, 2003) na qual não o impediria de perceber que o enfrentamento conflituoso na busca pela resolução de um problema complexo, não o resolveria, pois geralmente, em um confronto armado não há vencedor. Os dados das últimas décadas demonstram que quanto mais confrontos mais violência é gerada (IPEA, 2016).
Na terceira hipótese este agente de segurança, ao contrário de ser considerado um dos causadores dessa violência, não deveria ser visto como mais uma vítima desse estado de coisas no qual se transformou a criminalidade violenta no país, principalmente, pela ausência e/ou adoção de políticas equivocadas (ROLIM, 2009) para segurança pública brasileira?
Para além da abordagem quantitativa e, considerando os limites espaciais deste ensaio, que análise qualitativa pode ser inferida dos dados apresentados, que esmiuçaria ou traria outra perspectiva acerca das altas taxas de letalidade quando envolvem confrontos entre infratores e policiais? O que se evidencia é que graves problemas sociais assolam o país, desde altas taxas de desemprego[7], exclusão social e sobretudo ineficiência do sistema educacional brasileiro em proporcionar a escolarização mínima a crianças, adolescentes e adultos (IDEB, 2015)[8], deixando-os vulneráveis, socialmente, contribuindo com outros fatores, impulsionando as taxas de homicídio no Brasil e, também, em decorrência de as forças policiais e/ou seus governos adotarem historicamente ações de carácter emergencial e nunca pela prevenção.
Na primeira hipótese, defende-se ser, teórica e cientificamente aceitável conceber a criminalidade no Brasil, como um problema complexo, inserido em uma problemática plural, que nunca recebeu a devida atenção do Estado brasileiro, sobretudo da esfera federal a quem cabe legislar, porém não arcando com a responsabilidade do enfretamento direto da criminalidade, esta, a cargo das polícias estaduais. (Mesmo com a criação do Ministério Extraordinário da Segurança Pública, se a legislação não redistribuir responsabilidades e recursos, a medida será apenas retórica).
É forçoso considerar, também, que, outrora, o crime violento não tinha números tão elevados. Tomando-se como parâmetro os anos 1980, quando se passou a registrar o número de homicídios de forma mais sistematizada no país (MAPA DA VIOLÊNCIA, 2016)[9]. Nesse sentido, a falta de um diagnóstico realizado adequadamente para adoção de políticas públicas sempre foi um obstáculo, pois no Brasil, os dados acerca de mortes violentas nunca foram consenso entre instituições de segurança e de saúde pública.
Esta hipótese, amparada na caraterização das pessoas que mais matam e das que mais morrem no Brasil, aliado à falta de investimento em segurança pública, especialmente em modelos preventivos, sobretudo em políticas de inserção social, principalmente para aqueles que aparecem nas estatísticas criminais como algozes e vítimas (IPEA, 2017)[10], delineiam o panorama de um problema complexo e multifatorial, que passou a ser sentido pela sociedade brasileira. A chance de uma pessoa com escolarização de terceiro grau ser assassinada é quinze vezes menor do que outra que tem apenas concluído o Ensino Fundamental (IBGE, 2016, p 21).
Por outro lado, além de um Estado voltado para uma política, eminentemente, emergencial e reativa, não houve políticas e/ou programas de reinserção social para as pessoas que praticaram algum delito que, ao contrário de serem ressocializadas, foram introduzidas em um sistema penitenciário falido, que só aumentou a quantidade de encarcerados[11]. Um celeiro ideal para proliferação de facções criminosas (BIONDI, 2010), que subjugam esses indivíduos, tornando-os reféns, seja dentro ou fora da prisão.
Na segunda hipótese, defende Silva Júnior (2018)[12] que um fenômeno social, como a segurança pública, não pode ser pesquisado e analisado sem a devida utilização metodológica que a ciência requer (especialmente as ciências sociais, para as quais a quantificação não suficiente para explicar), pois sem esses parâmetros, corre-se o risco de tomar a retórica por teoria. A não submissão a padrões de verificação confiáveis, não passarão de retórica ideológica, travestida de pesquisa científica, passível de ser contestada.
Nesse sentido, inseridos que estão os profissionais de segurança pública brasileiros, em um contexto bem mais amplo, não podem ser tachados, isoladamente, de responsáveis pela segunda causa de morte violenta no país, mesmo que em certa medida, a partir das intervenções policiais possam ter contribuído para tais fatos. O recorte quantitativo precisa ser entendido como um dos elementos que vão subsidiar a análise qualitativa de tais fenômenos (MINAYO, 2013); (SAMPIERI, 2006) e não como mero recurso ilustrativo a serviço de uma retórica disfarçada de pesquisa científica.
Se a polícia brasileira é a que mais mata, contudo, é a que mais morre, e nesse sentido, uma conduta aceitável ao método científico é à investigação, acerca de quais são as causas e/ou fatores que condicionam esses fatos, necessariamente passa pela adoção de métodos e técnicas adequadas à pesquisa social, sobretudo a partir da triangulação dessas abordagens, evitando, uma análise quantitativa superficial, sem profundidade e, portanto, sem legitimidade e confiabilidade, dada à multifatorialidade do objeto estudado.
Por fim, a terceira hipótese, parece ser a complementação das duas primeiras. Ora, se houve um salto exponencial de homicídios no Brasil, quando nos anos 1980 os homicídios no país não chegaram a 14 mil óbitos naquele ano, atualmente este quantitativo chega ao inacreditável número de quase 63 mil assassinatos, em 2016, portanto, é razoável conceber que a segurança pública não avançou em produção de conhecimento, tampouco na buscar alternativas eficientes para controle do crime violento, contudo, continua operando com os mesmos parcos recursos e muitas das vezes atuando da mesma forma que atuava,  há mais de três décadas, ou seja, de forma improvisada e emergencial (ROLIM, 2001).
Assim, entendendo o Brasil um país continental, com a diversidade cultural e fronteiras quilométricas, desigualdades sociais históricas; investimentos na segurança pública parcos e em algumas unidades federativas, quase inexistentes; política de segurança pública alicerçada apenas no aparelho policial e de forma reativa; baixos salários e pouca ou quase nenhuma profissionalização dos operadores de segurança pública; política penitenciária de encarceramento indiscriminado, sobretudo para os excluídos socialmente, que são depositados em prisões superlotadas, locais propícios para se tornarem reféns de facções criminosas; nenhuma ou insuficiente priorização da educação, cultura, esporte e lazer como mecanismo de prevenção primária, principalmente do crime violento que é praticado e sofrido por uma população historicamente excluída, entre tantos outros elementos que constituem a problemática da criminalidade no Brasil, é mais confortável para alguns especialista em segurança pública responsabilizar apenas o operador de segurança pública e/ou suas instituições como os principais causadores do problema apresentado, do que enveredar pela difícil, laboriosa e demorada busca pelas reais e aceitáveis causas  da violência no país, algo que está em vias de sua naturalização, de tão banalizada que é pela sociedade leiga e vitimizada, pelos aparelhos midiáticos que lucram com a espetacularização da violência e, pasmem, por muitos que se intitulam especialistas em segurança pública, sem sequer haver presenciado um dia trabalho policial ou vivenciado a realidade dessa atividade profissional, limitando-se apenas a fazer análises superficiais de dados secundários que lhes chegam pelos mass media.
REFERÊNCIAS

BIONDI, Karina. Junto e misturado: uma etnografia do PCC. São Paulo: Terceiro Nome, 2010.

DURKHEIM Émilie. As regras do método sociológico. São Paulo: Martin Claret, 2001.

O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 13ª edição. São Paulo: Hucitec, 2013.

ROLIM, Marcos. A síndrome da rainha vermelha: policiamento e segurança pública no século XXI. Rio de Janeiro. Zahar, 2009.

SAMPIERI, Roberto Hernández; FERNÁNDEZ-COLLADO, Carlos; LUCIO, Pilar Baptista. Metodología de la investigación. Cuarta edición. Mexico: McGraw-Hill/Interamericana S/A, 2006.

SOUZA, Jessé. A construção da subcidadania: para uma sociologia política da modernidade periférica. Belo Horizonte: UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2003.



[1] SANTOS, Mário Anderson de Araújo. Héroe o villano:un análisis sobre la práctica de crimenes por policías militares en la región metropolitana de Natal/RN/Brasil. Início: 2017. Dissertação (Mestrado en la Seguridad Publica) - Instituto Universitario de la Policía Federal Argentina.
[3] SILVA, João Batista da. A violência policial militar e o contexto da formação profissional: um estudo sobre a relação entre violência e educação no espaço da Polícia Militar no Rio Grande do Norte. 2009. 128 f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Regional; Cultura e Representações) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2009. Disponível em: https://repositorio.ufrn.br/jspui/handle/123456789/13568. Acesso:11 maio 2018.
[5] Quem são e por que realizam este serviço, na região metropolitana de Natal, estão presentes em: BRAGA, Júlio Cesar Martins; SILVA, João Batista da. Atuação dos policiais militares do RN em atividades paralelas – “o bico”: diálogo entre política, perfil sócio educacional, legislação e educação financeira. Trabalho de Conclusão de Curso. (Graduação – Curso de Formação de Oficiais) Academia Cel Milton Freire de Andrade. Natal: PMRN, 2012.
[7] Disponível em: https://br.advfn.com/indicadores/pnad. Acesso em 12 maio 2018.
[8] Na avaliação de 2005 a 2015 o Ensino Fundamental não passa de 5.5 e na Educação Básica no país, em escala de 1 a 10, não consegue chegar a 4. Disponível em: http://ideb.inep.gov.br/resultado/resultado/resultadoBrasil.seam?cid=114513. Acesso em 18 maio 2018.
[11][11] Essa população subiu de pouco mail de 90 mil em 1990 para mais de 700 mil pessoais encarceradas em 2016. Disponível em: http://www.justica.gov.br/news/ha-726-712-pessoas-presas-no-brasil/relatorio_2016_junho.pdf. Acesso em 18 maio 2018.