Saudações internautas!
Após um período sem postagens, compartilho aqui o ensaio publicado no número 3 da Revista do Instituto Brasileiro de Segurança Pública (
RISBP), que aborda, brevemente, a vitimização policial no Brasil, dada à complexidade da problemática e os limites especiais da revista. Apesar de breve, busca-se levantar alguns fatores relevantes para a temática proposta. Este e outros textos sobre a segurança pública no país podem ser acessados neste
link.
Boa leitura!
HERÓI OU VILÃO? VÍTIMAS OU ALGOZES? QUEM SÃO OS PROFISSIONAIS DE SEGURANÇA BRASILEIROS?
Parafraseando um colega de trabalho
trago para discussão uma temática deveras atual - a violência banalizada no
cotidiano brasileiro – que, segundo Minayo (2003),
entre outras causas este fenômeno pode estar relacionado à violência estrutural,
que se instaura por meio de estruturas organizadas e institucionalizadas por
meio de sistemas econômicos, culturais, políticos e também da família, que oprime
e subjuga indivíduos, grupos, classes e até nações; à violência de resistência,
instituída por oposição de grupos, classes, nações e, até mesmo de indivíduos, que
são subjugados e oprimidos pela violência estrutural, a partir de mecanismos de
dominação; e, por fim, à violência da delinquência, que se caracteriza por
ações criminalizadas, praticadas por indivíduos ou grupos de forma organizada
ou não.
Não importa a região do país, notoriamente os
índices da criminalidade violenta, tiveram uma ascendência exponencial na
última década (MAPA DA VIOLÊNCIA, 2016). Paradoxalmente, nesse contexto, alguns
teóricos chegam a defender que muitas da mortes violentas praticadas no Brasil,
tem como principal causador um profissional
de segurança pública,
particularmente, o policial militar. (BUENO, LIMA, 2018).
Na outra extremidade dessa discussão, há dados, também,
bastante elevados acerca da vitimização policial no país, em sua maioria
policiais militares (IBGE, 2016), tragédia essa que ocorre em horário de
serviço, quando esse agente atua como legítimo representante do Estado, mas
principalmente durante a sua “folga”. Neste último caso, em geral, o policial
está operando como segurança particular (BRAGA; SILVA),
geralmente, com o intuito de aumentar sua renda familiar. Uma realidade
praticamente igual em todos os estados brasileiros, que no Rio de Janeiro, São
Paulo e no Nordeste, especialmente, no Rio Grande do Norte, tem se tornado uma
das principais causas de morte de policiais.
Para além de uma análise meramente quantitativa,
este fato social (DURKHEIM, 2001) carece ser minimamente aprofundado no campo
científico, visto que envolve problemáticas de áreas diversas do conhecimento,
em particular, a segurança pública, nem sempre conhecida por parte de muitos
cientistas sociais, os quais, ainda se auto intitulam especialistas em segurança pública. Estes, por seu turno, muitas
vezes se arvoram em suas teorias, fazendo elaborações sem a devida
fundamentação metodológica, tampouco científica.
Nessa perspectiva, apresento três hipóteses que julgo
pertinentes constarem em uma teorização acerca da violência no Brasil. Incialmente,
considero ser metodológica e cientificamente incoerente concluir que apenas um
dos atores dessa problemática – os policiais e/ou suas instituições -, sejam
julgados incompetentes para controlar os altos índices de homicídios no país, pois
pela existência de diversas instâncias e atores sociais envolvidos, direta e
indiretamente, no problema, como poderia o profissional
e/ou suas instituições serem os únicos ou principais responsabilizados pelo
caos da segurança pública no país?
Segundo, estando este profissional inserido em uma conjuntural social que já apresenta um
“certo” estado de anomia social (DURKHEIM, 2001), não estaria ele envolvido em
uma teia social (SOUZA, 2003)
na qual não o impediria de perceber que o enfrentamento conflituoso na
busca pela resolução de um problema complexo, não o resolveria, pois geralmente,
em um confronto armado não há vencedor. Os dados das últimas décadas demonstram
que quanto mais confrontos mais violência é gerada (IPEA, 2016).
Na terceira hipótese este agente de segurança, ao contrário
de ser considerado um dos causadores dessa violência, não deveria ser visto
como mais uma vítima desse estado de coisas no qual se transformou a
criminalidade violenta no país, principalmente, pela ausência e/ou adoção de
políticas equivocadas (ROLIM, 2009) para segurança pública brasileira?
Para além da abordagem quantitativa e, considerando
os limites espaciais deste ensaio, que análise qualitativa pode ser inferida dos
dados apresentados, que esmiuçaria ou traria outra perspectiva acerca das altas
taxas de letalidade quando envolvem confrontos entre infratores e policiais? O
que se evidencia é que graves problemas sociais assolam o país, desde altas taxas
de desemprego, exclusão
social e sobretudo ineficiência do sistema educacional brasileiro em
proporcionar a escolarização mínima a crianças, adolescentes e adultos (IDEB,
2015),
deixando-os vulneráveis, socialmente, contribuindo com outros fatores,
impulsionando as taxas de homicídio no Brasil e, também, em decorrência de as
forças policiais e/ou seus governos adotarem historicamente ações de carácter
emergencial e nunca pela prevenção.
Na primeira hipótese, defende-se ser, teórica e
cientificamente aceitável conceber a criminalidade no Brasil, como um problema
complexo, inserido em uma problemática plural, que nunca recebeu a devida atenção
do Estado brasileiro, sobretudo da esfera federal a quem cabe legislar, porém
não arcando com a responsabilidade do enfretamento direto da criminalidade,
esta, a cargo das polícias estaduais. (Mesmo com a criação do Ministério
Extraordinário da Segurança Pública, se a legislação não redistribuir
responsabilidades e recursos, a medida será apenas retórica).
É forçoso considerar, também, que, outrora, o crime
violento não tinha números tão elevados. Tomando-se como parâmetro os anos 1980,
quando se passou a registrar o número de homicídios de forma mais sistematizada
no país (MAPA DA VIOLÊNCIA, 2016).
Nesse sentido, a falta de um diagnóstico realizado adequadamente para adoção de
políticas públicas sempre foi um obstáculo, pois no Brasil, os dados acerca de
mortes violentas nunca foram consenso entre instituições de segurança e de
saúde pública.
Esta hipótese, amparada na caraterização das pessoas
que mais matam e das que mais morrem no Brasil, aliado à falta de investimento
em segurança pública, especialmente em modelos preventivos, sobretudo em
políticas de inserção social, principalmente para aqueles que aparecem nas
estatísticas criminais como algozes e vítimas (IPEA, 2017),
delineiam o panorama de um problema complexo e multifatorial, que passou a ser sentido pela sociedade brasileira. A
chance de uma pessoa com escolarização de terceiro grau ser assassinada é
quinze vezes menor do que outra que tem apenas concluído o Ensino Fundamental
(IBGE, 2016, p 21).
Por outro lado, além de um Estado voltado para uma
política, eminentemente, emergencial e reativa, não houve políticas e/ou
programas de reinserção social para as pessoas que praticaram algum delito que,
ao contrário de serem ressocializadas, foram introduzidas em um sistema
penitenciário falido, que só aumentou a quantidade de encarcerados.
Um celeiro ideal para proliferação de facções criminosas (BIONDI, 2010), que subjugam
esses indivíduos, tornando-os reféns, seja dentro ou fora da prisão.
Na segunda hipótese, defende Silva Júnior (2018)
que um fenômeno social, como a segurança pública, não pode ser pesquisado e
analisado sem a devida utilização metodológica que a ciência requer
(especialmente as ciências sociais, para as quais a quantificação não suficiente
para explicar), pois sem esses parâmetros, corre-se o risco de tomar a retórica
por teoria. A não submissão a padrões de verificação confiáveis, não passarão
de retórica ideológica, travestida de pesquisa científica, passível de ser
contestada.
Nesse sentido, inseridos que estão os profissionais
de segurança pública brasileiros, em um contexto bem mais amplo, não podem ser
tachados, isoladamente, de responsáveis pela segunda causa de morte violenta no
país, mesmo que em certa medida, a partir das intervenções policiais possam ter
contribuído para tais fatos. O recorte quantitativo precisa ser entendido como
um dos elementos que vão subsidiar a análise qualitativa de tais fenômenos
(MINAYO, 2013); (SAMPIERI, 2006) e não como mero recurso ilustrativo a serviço
de uma retórica disfarçada de pesquisa científica.
Se a polícia brasileira é a que mais mata, contudo, é
a que mais morre, e nesse sentido, uma conduta aceitável ao método científico é
à investigação, acerca de quais são as causas e/ou fatores que condicionam
esses fatos, necessariamente passa pela adoção de métodos e técnicas adequadas
à pesquisa social, sobretudo a partir da triangulação dessas abordagens,
evitando, uma análise quantitativa superficial, sem profundidade e, portanto,
sem legitimidade e confiabilidade, dada à multifatorialidade do objeto
estudado.
Por fim, a terceira hipótese, parece ser a
complementação das duas primeiras. Ora, se houve um salto exponencial de
homicídios no Brasil, quando nos anos 1980 os homicídios no país não chegaram a
14 mil óbitos naquele ano, atualmente este quantitativo chega ao inacreditável
número de quase 63 mil assassinatos, em 2016, portanto, é razoável conceber que
a segurança pública não avançou em produção de conhecimento, tampouco na buscar
alternativas eficientes para controle do crime violento, contudo, continua operando
com os mesmos parcos recursos e muitas das vezes atuando da mesma forma que
atuava, há mais de três décadas, ou seja,
de forma improvisada e emergencial (ROLIM, 2001).
Assim, entendendo o Brasil um país continental, com
a diversidade cultural e fronteiras quilométricas, desigualdades sociais
históricas; investimentos na segurança pública parcos e em algumas unidades
federativas, quase inexistentes; política de segurança pública alicerçada
apenas no aparelho policial e de forma reativa; baixos salários e pouca ou quase
nenhuma profissionalização dos
operadores de segurança pública; política penitenciária de encarceramento
indiscriminado, sobretudo para os excluídos socialmente, que são depositados em
prisões superlotadas, locais propícios para se tornarem reféns de facções
criminosas; nenhuma ou insuficiente priorização da educação, cultura, esporte e
lazer como mecanismo de prevenção primária, principalmente do crime violento
que é praticado e sofrido por uma população historicamente excluída, entre
tantos outros elementos que constituem a problemática da criminalidade no
Brasil, é mais confortável para alguns especialista
em segurança pública responsabilizar apenas o operador de segurança pública
e/ou suas instituições como os principais causadores do problema apresentado,
do que enveredar pela difícil, laboriosa e demorada busca pelas reais e
aceitáveis causas da violência no país, algo
que está em vias de sua naturalização, de tão banalizada que é pela sociedade
leiga e vitimizada, pelos aparelhos midiáticos que lucram com a
espetacularização da violência e, pasmem, por muitos que se intitulam especialistas em segurança pública, sem
sequer haver presenciado um dia trabalho policial ou vivenciado a realidade
dessa atividade profissional, limitando-se apenas a fazer análises superficiais
de dados secundários que lhes chegam pelos mass
media.
REFERÊNCIAS
BIONDI, Karina.
Junto e misturado: uma etnografia do PCC.
São Paulo: Terceiro Nome, 2010.
DURKHEIM Émilie.
As regras do método sociológico. São
Paulo: Martin Claret, 2001.
ROLIM, Marcos. A síndrome da rainha vermelha:
policiamento e segurança pública no século XXI. Rio de Janeiro. Zahar, 2009.
SAMPIERI, Roberto Hernández; FERNÁNDEZ-COLLADO,
Carlos; LUCIO, Pilar Baptista. Metodología
de la investigación. Cuarta edición. Mexico: McGraw-Hill/Interamericana
S/A, 2006.
SOUZA, Jessé. A construção da subcidadania: para uma
sociologia política da modernidade periférica. Belo Horizonte: UFMG; Rio de
Janeiro: IUPERJ, 2003.