segunda-feira, 25 de junho de 2012

Existe crime organizado no RN?

Segue logo abaixo opiniões de três autoridades da segurança pública do estado sobre o alto número de homicídios na Zona Norte de Natal e algumas alternativas, segundo eles para enfrentamento dessa realidade social.


A matéria foi publicada neste último domingo (24) no Jornal Diário de Natal. Vale a pena conferir!


Delegado pede combate ao tráfico de armas


A facilidade na obtenção de armas como pistola e revólveres pelos envolvidos com o tráfico também é tida como uma das causas para o crescente número de assassinatos por armas de fogo na região. "O tráfico de armas é algo que o Estado precisa combater com maior força, mas está deixando de lado. Me pergunto como os bandidos tem acesso tão fácil a revólveres e pistolas. Assim eles armam e qualificam os seus soldados, para fazer a segurança das bocas de fumo e também para matar devedores, denunciantes e concorrentes no tráfico. A impunidade deixa eles livres para resolver questões triviais com assassinatos. Eles sabem que não vão ser desarmados e legitimam sua ação por força das armas que possuem", comenta o delegado.

Fernando Alves, Delegado da 9ª DP: "Ninguém mata de graça hoje em dia. Estas pessoas estão ganhando." Foto: Fábio Cortez/DN/D.A Press


Todas as características, dados e casos que se apresentam na região sob sua jurisdição apontam, para Fernando Alves, o princípio da organização do crime, como aconteceu no Rio de Janeiro em meados de década de 1980, com o surgimento de grupos como o Comando Vermelho e Terceiro Comando. "Estamos vendo o começo de uma rede criminosa organizada. Eles agora agem com um objetivo, buscam o lucro. Nos moldes Sudeste, eles estão formando uma empresa criminoso. Veja o caso recente dos roubos de coletes e armas de fogo de vigilantes de hospitais. É uma ação direcionada. Não estamos mais lidando com bandidos 'pé-de-chinelo'. Eles estão se organizando. Tem funcionários, profissionais, que trabalham na segurança, por exemplo. E a Polícia Civil está desorganizada.", analisa o delegado.

Ele descarta a presença de integrantes do Comando Vermelho e do Primeiro Comando da Capital (PPC), de São Paulo, seja causa para esta crescente organização do crime em Natal. "Não é segredo para ninguém, é dado do Ministério da Justiça, que o crime saturou em pontos do Sudeste e este pessoal está subindo para cá, principalmente para lavar dinheiro. Creio que a situação é que os criminosos potiguares estão em contato com o Rio de Janeiro e São Paulo, mas não há representantes deles trabalhando aqui", frisa Alves. Em março deste ano o Diário de Natal publicou a informação contida em um relatório produzido ano passado pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) de que supostos integrantes do Comando Vermelho e do PCC chegaram a ameaçar autoridades do RN.

O chefe da 9ª DP aponta que o caminho para organização da polícia no combate à criminalidade organizada é longo. Primeiro passa pela questão estrutural, incluindo a contratação e treinamento de concursados, além da compra de armamento e de arsenal tecnológico para equipar a polícia investigativa. "Tenho cinco agentes para uma área de 200 mil pessoas. Não tenho nem um veículo descaracterizado. Fazemos milagre para cumprir os mandados judiciais, em levantamentos que levam meses quando deveriam levar semanas. Para um agente fazer um trabalho investigativo fica difícil, porque ou ele vai no próprio carro, arriscando o patrimônio pessoal, ou vai a pé. Imagine ter que cobrir esta área toda a pé? Teríamos agentes cumprindo o trabalho de ônibus",pontua Fernando.

O segundo, para ele, ponto é transformar a cultura dos governos para com a Polícia Civil. "Os governos, não só daqui mas do país inteiro, não dão prioridade às delegacias de bairro. O investimento todo vai para as delegacias especializadas, que investigam crimes maiores, de maior repercussão, o que traz uma imagem boa. Esta é uma visão atrasada. Nós lidamos com uma suposta pequena criminalidade, mas é a que assusta. 90% da carga dos homicídios ficam nas delegacias de bairro e ainda pensam que somos um mini-juizado criminal, para registrar boletim de ocorrência e resolver briga de vizinho", aponta o delegado. 



Polícia Militar reconhece alto índice de homicídios


Classificado como uma das regiões mais perigosas de Natal, o setor da 9ª DP - que inclui conjuntos como Vale Dourado¸ Jardim Progesso e Aliança, reconhecidos pontos de concentração de homicídios e tráfico de drogas - apesar de contar apenas com cinco agentes da Polícia Civil e um delegado recebe uma atenção especial da Polícia Militar. Sob os cuidados do 4º Batalhão da PM (BPM), a região é dioturnamente vigiada de perto por seis viaturas da Força Tática, cada qual com quatro policiais armados de fuzil. "Cercamos está area com estas viaturas, que fazem o patrulhamento pelas principais avenidas da região, como a Maranguape e as Fronteiras. Além delas temos 10 viaturas da Ronda Cidadã dentro das comunidades", cita o major Manoel Kennedy Nunes, comandante do 4º BPM.

Além dos problemas tradicionais da violência, a Zona Norte está sofrendo com a atividade crescente de matadores profissionais. Foto: Carlos Santos/DN/D.A Press


O major reconhece que o alto índice de homicídios na área é histórico, sempre ligado ao tráfico de drogas. "99% destes homicídios são acertos do tráfico de drogas. Seja dívida ou disputa por boca de fumo, o pivô é sempre a droga. Quem deve sempre paga", comenta Kennedy. O comandante, no entanto, descarta a análise do delegado Fernando Alves que os criminosos estariam evoluindo para um nível de organização que a seguranaça pública não reconhece. "Eu vejo que a cada dia a situação está mais sob controle. Os deliquentes estão migrando para outras áreas, como São Gonçalo. Mas, acredito que o delegado tem muito mais informações do que eu e pode afirmar que os criminosos estão se organizando", declarou o oficial PM. Ele ainda apontou que os traficantes da Zona Norte apenas copiam o que conhecem de São Paulo e Rio de Janeiro. "Eles estão ficando mais ousados. Em áreas como a Baixa da Coruja (Jardim Lola), Beira Rio e África (Redinha) temos que entrar sempre com mais de uma viatura. A geografia destes locais favorece os bandidos. Eles até atiram nas viaturas, mas apenas para tentar assustar e terminam fugindo por becos ou pelo mangue", relata. Nestas comunidades, segundo ele, é necessário a presença em maior número da PM. "A maior quantidade de policias os assusta, por isso sempre vamos com mais de uma viatura", aponta o major.

Reforço 

A dificuldade em relação a quantidade de policiais, estrutura e material é reconhecida por todos os integrantes da Polícia Civil do RN. Incluindo o delegado-geral. Mas o próprio Fábio Rogério da Silva também reconhece que a mudança ainda pode demorar um pouco mais de tempo do que é desejado por delegados e agentes. "Temos uma previsão de reforço para delegacias como a 9ª DP, mas ainda vai demorar. Sabemos da deficiência das delegacias da capital. Mas, o momento é de dar prioridade ao interior", apontou o delegado-geral.

Apesar das nomeações feitas recentemente, com a ocupação de delegados e agentes em 13 comarcas, outras 22 ainda estão sem qualquer representante da polícia judiciária. Rogério ainda apontou que a quantidade de homicídios registradas na delegacia da Zona Norte é uma precupação da Delegacia Geral de Polícia Civil do RN (Degepol-RN). "Basta ver a quantidade de operações aqui e no interior do Estado que fizemos recentemente. A nossa preocupação é reduziR a quantidade de homicídios e também de tráfico de drogas. Sabemos que é difícil, praticamente impossível, acabar com tudo isto, mas podemos diminuir", apontou ele.

O delegado-geral ainda corroborou do apontamento feito pelo titular da 9ª DP, Fernando Alves, sobre a organização do crime na Zona Norte, com mais de 25 execuções creditadas a disputa de traficantes por território e pontos de vendas apenas em 2012, além do trabalho de assassinos profissionais nestas execuções. "É bastante possível que estes profissionais estejam atuando na Zona Norte e é um grupo bastante organizado. A disputa pelo tráfico da região é muito grande, basta ver a quantidade de homicídios com característica de execução", afirmou Fábio Rogério. 



Outro ponto que destaco é que não há um consenso dos estudiosos acerca de "crime organizado". Creio que para a análise dessa situação o termo mais adequado seria "o crime com certa noção de organização". Visto que o primeiro  conceito é muito mais abrangente e perpassa por toda uma cadeia  organizacional, com início, meio e fim, e papéis bem delimitados, como utilização dos recursos adquiridos através de atividades criminosas para manutenção e incremento da "instituição", infiltração em setores da organização estatal (poderes constituídos), pagamentos de propinas, entre outras formas e possibilidades de "desenvolvimento da organização".

Um conceito bastante interessante e atual é o de Guilherme Werner:

Portanto, crime organizado é atividade praticada por grupo de pessoas engajadas, em determinados empreendimentos ilícitos, onde posições específicas são previamente definidas na organização para aca participante contando com os executores, corruptores e corrompidos (Cressey, apud Werner 1969, p.319).

Para um maior aprofundamento  tese de doutorado de Guilherme Werner, defendida na USP, denominada de: O crime organizado transacional e as rede criminosas: presença e influência nas relações internacionais contemporâneas. São Paulo. Universidade de São Paulo, 2009, disponível em: https://www.google.com.br/search?rlz=1C1FDUM_enBR474BR474&sugexp=chrome,mod=12&sourceid=chrome&ie=UTF-8&q=crime+organizado+coneito+castels

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