quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Republicação de artigo



POLÍCIA MILITAR: PROTETORA OU CARRASCA?[1]

João Batista da Silva[2]

Diante da complexidade da sociedade atual, os níveis de criminalidade vêm aumentando cada dia mais, sobretudo nos grandes centros urbanos. No entanto, nem as médias, nem as pequenas cidades estão a salvo dessa cólera. No Estado do Rio Grande do Norte (RN), este tipo de violência tem aumentando nos últimos anos, bem como a violência praticada por aqueles que têm o dever de defender o cidadão (ou seja, os policiais militares), ou pelo menos, os casos têm tornado-se notórios[3]. As políticas públicas de desenvolvimento humano, sobretudo nos países subdesenvolvidos ou emergentes, têm sido, em sua maioria, muito deficitária. Por conseguinte, o controle da criminalidade tornou-se, unicamente, uma tarefa da polícia, sobretudo a Polícia Militar, pois é a instituição que atua de forma ostensiva (fardada) no contato com a sociedade. Feito este intróito, reportar-me-ei à correlação entre a violência policial militar e alguns possíveis fatores que se inter-relacionam.
A imagem que a população tem da polícia, sobretudo, a população de baixa renda (faixa em que se encontra o maior índice de vítimas de violência policial), é de uma polícia repressora, arbitrária, truculenta e corrupta, imagem esta, que na maioria das vezes, é reproduzida pelos jovens pretendentes a policiais. Fatores como estes, bem como, a carga excessiva de militarismo, número elevado de vagas oferecido por concurso para suprir o déficit de pessoal[4], aliado às falhas na seleção de candidatos, cursos de formação precários (curto período de formação, disciplinas incompatíveis com a realidade social, dentre outros aspectos), falta, sobretudo de uma política de capacitação profissional contínua, bem como os baixos salários, podem influenciar na questão da violência policial militar. Nessa perspectiva, questiona-se: uma preparação mais incisiva nas disciplinas de relações humanas, direitos humanos, ética profissional, não minimizariam este índices de violência policial militar? Ou será que os investimentos deveriam ser na área das políticas educacionais, de saúde, de habitação e criação de postos de trabalhos? Ou ainda, será que deve haver investimentos simultâneos, sobretudo na área educacional, para que a sociedade, em sentido lato, (neste contexto, inserem-se as Polícias), obtivesse as ferramentas fundamentais para uma maior conscientização sobre direitos e deveres do cidadão. Estes são alguns dos questionamentos que poderão apontar para as possíveis causas, como também poderão suscitar mais questionamentos e possíveis alternativas para melhorar esta Instituição, que a priori, foi institucionalizada para defesa dos interesses particulares, mas que ao longo de sua historicidade vem adquirindo respaldo perante a sociedade, legitimando seu papel, que é, tão somente, o de protetor dos direitos do cidadão, conseqüentemente, da Lei e da ordem, dentro, evidentemente, de cada cultura que está inserida.
Recorrentemente, na maioria das vezes que ocorre mais uma violência envolvendo policiais em serviço vem à tona a falência das polícias brasileiras, e a mídia, principalmente a televisada, encontra um bode expiatório para a situação em destaque, surgindo, várias propostas de reformulações nas instituições policiais, as quais sempre esbarram na burocracia administrativa, eclodindo, neste ínterim, um novo tema sensacionalista como filão da vez, caindo o tema da violência policial mais uma vez no esquecimento social.
Em meio à falta de seriedade das autoridades competentes, bem como o descaso da população (diga-se de passagem: falta de consciência acerca dos direitos e deveres do cidadão) para juntos produzirem alternativas plausíveis para a questão; esta se arrasta ao longo dos anos, fazendo, cada vez mais vítimas, face à impunidade, que se instalou no país. Policiais que ao invés de defenderem o cidadão praticam atos de arbitrariedades, como o que foi destaque nacionalmente, no Rio de Janeiro, em que um PM que tinha a alcunha de Rambo promovia atos de tortura, sem deixar nada a dever às épocas medievais. No Estado do Rio Grande do Norte (RN), este tipo de violência tem aumentado, nos últimos anos, ou pelo menos, os casos têm tornado-se notórios.
Segundo entrevista feita com policiais militares (PMs) do 9º Batalhão de Polícia Militar (9º BPM)[5] os mesmos se reportaram à questão da violência policial como sendo uma conseqüência de uma série de fatores que desencadeariam nessas  arbitrariedades. Conforme os entrevistados, a má seleção dos candidatos seria o primeiro desses fatores. Ora, se há falhas no processo de seleção, é evidente que pessoas com características que não perfaçam o perfil de um PM   ingresse à Instituição[6].
Conforme Jorge da Silva[7] deve haver uma reformulação profunda nas polícias brasileiras, sobretudo nas grades curriculares, as quais havia tempos já estão ultrapassadas, muitas ainda com uma carga excessiva de militarismo. Segundo o autor, um dos fatores que potencializam a falência policial militar e, por conseguinte, possíveis intensificadores da violência policial. Jorge da Silva é, por excelência, um ferrenho defensor da unificação das polícias brasileiras (civil e militar), ou pelo menos, que ambas possam trabalhar de forma integrada (o que atualmente não existe, pois o que se vê tanto na realidade local, como também no âmbito nacional é uma polícia adentrando à alçada de competência da outra). No Estado do Rio Grande do Norte a violência praticada por aqueles que têm o dever de defender o cidadão (ou seja, policiais militares) tem tornado-se cada dia mais notória seja porque há uma variedade de programas televisivos transmitidos diariamente pelos canais locais, ou ainda pela facilidade que tem a pessoa vitimada pela violência de procurar os órgãos competentes para efetuarem sua denúncia. Um outro fator não menos importante elencado pelos entrevistados, e que também é destacado por Jorge da  Silva é a questão da formação policial militar. Como fora frisado anteriormente, as grades curriculares devem ser reformuladas, devendo atender as realidades sociais em que está inserida cada polícia. Vale salientar, que há um consenso numa série de elementos destacados tanto pelo autor como pelos entrevistados. Contudo, não é demais destacar que os entrevistados, ao contrário do que se poderia imaginar, afirmam que o militarismo ajuda na disciplina da Instituição, salientando, apenas que estas normas deveriam ser dosadas de forma mais gradativa para que a função policial não seja sufocada pelo excesso de militarismo. Já o oficial da PMRJ, afirma que o militarismo já cumpriu a sua meta, não se adequando mais às realidades sociais atualmente, sendo, segundo ele, um possível intensificador da violência policial.
Com efeito, deve-se salientar que um dos questionamentos mais coerentes que está em vigor atualmente, não apenas para minimizar a questão da violência policial, tanto no âmbito nacional, bem como na PMRN, é que  instituições policiais devem manter um programa contínuo de avaliação psicológica, mas sobretudo de qualificação e capacitação profissional, retirando do atendimento ao público aqueles policiais que não atendam a um nível mínimo de qualificação exigido pela sociedade.

REFERÊNCIAS
                                                                         
BEZERRA, Jarbas Antônio da Silva. Tortura: mecanismo arbitrário de negação da cidadania. Natal: Lidador, 2001.
BRASIL. Decreto-Lei 3.688 de 3 de outubro de 1941 de 1941. Que discorre acerca da lei de contravenções penais. (Org.) Alvaro Lazzarini. São Paulo: Revista dos Tribunais,2000.
BRASIL. Decreto-Lei 667, de  02 de janeiro de 1969. Que reorganiza as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros militares dos Estados e Territórios e Distrito Federalk, e dá outras providências, Coletânea de legislação. (Org.) José Walterler dos
CERQUEIRA, Carlos Magno de Nazareth. O futuro de uma ilusão: o sonho de uma polícia nova. Rio de Janeiro, ICC, Discursos sediosos, crime, direto e sociedade, 14, n.3, p. 115-140, jan/jun, 1997.
______.Dificuldades relativas à cultura autoritária e repressiva e ao profissionalismo. In: Do patrulhamento ao policiamento comunitário. ( Coleção polícia amanhã , n. 2 ). Rio de Janeiro: Instituto de Criminologia - Fundação Ford Freitas Bastos, 1997. p. 147-152.
______.Conhecendo o Policiamento comunitário. In: Do patrulhamento ao policiamento comunitário. Rio de Janeiro: Instituto Carioca de Criminologia - Fundação Ford Freitas bastos, 1997. p. 54-65 (Coleção polícia amanhã n. 2).
DURKHEIM, Emile. Regras relativas à observação dos fatos sociais. In: As regras do método sociológico. Sào Paulo: Martin Claret, 2001, p. 83
GUIMARÃES, Luiz Antônio Brenner. Valores institucionais a prática policial militar e a cidadania. Unidades, Porto Alegre, n.4, p. 4-85, jan/mar.2000.
NETO, Teodomiro Dias. Policiamento Comunitário e controle sobre a polícia: a experiência norte-americana. São Paulo: IBCCRIM, 2000. p. 19-47.
RIO GRANDE DO NORTE. Lei 4.630 de 16 de dezembro de 1976. Estatuto dos Policiais Militares do Estado do Rio Grande do Norte, e dá outras providências. (Org.) José Valterler dos Santos silva. Coletânea de Legislação. Natal: PMRN, Cap. IV, seção II, Da ética policial.
SILVA, Jorge da. Controle da criminalidade e segurança pública: na nova ordem constitucional. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990.  117p.




[1]  Artigo produzido em 2005 e publicado em um jornal comunitário, da zona Norte de Natal, denominado o Clarim.
[2]  À época da confecção deste artigo, o autor era 1º tenente da PMRN e graduando no Curso de Ciências Sociais da UFRN, tendo em 2002 se especializado naquela mesma Universidade em Polícia Comunitária.
[3] Há três anos a Polícia Militar do Estado do Rio Grande do Norte (PMRN), criou a Corregedoria da PMRN, um órgão da própria Instituição responsável para apurar as denúncias contra policiais militares (PMs), e há aproximadamente dois anos a Secretaria de Defesa Social (SDS), a quem a PM está subordinada, criou a Ouvidoria, um órgão independente das Instituições Policiais, que recebe as denúncias de arbitrariedades praticadas por policiais civis e militares e as encaminha para o setor competente, seja este dentro da própria PM, ou da Justiça Comum,  fiscalizando os resultados das apurações.
[4] A PMRN incorporou nos dois últimos concursos dois mil policiais, sendo uma turma de soldados no ano de 2000 e outra e 2001. Nessa perspectiva de uma crítica mais aprofundada, chamo atenção para a questão - política do governo do Estado -, que nesse período, não levou em consideração a falta de instalações apropriadas para a formação dos novos PMs, bem como a falta de professores para atender a esta demanda de alunos-soldados.
[5] O 9º BPM da PMRN foi criado havia aproximadamente dois anos para introduzir a filosofia de polícia comunitária no RN. O Batalhão de Polícia Comunitária tinha, à época, um efetivo de 600 PMs e atua nas quatro zonas geográficas da cidade do Natal.
[6] Não poderia deixar de destacar um tema que constantemente é posto em evidência pela cúpula da PMRN, mas, sobretudo por membros da comissão de avaliação psicológica da Instituição que contestam acerca de liminares judiciais que concedem o direito a candidatos reprovados em testes psicológicos, de participarem dos cursos de formação policial militar e, consequentemente ingressarem à Instituição. Ou seja, candidatos que não satisfazem a um perfil psicológico para exercerem a função policial militar ingressam à Corporação, sobre o pretexto legal de que todos são iguais perante a Lei.
[7]Jorge da Silva é coronel da reserva remunerada da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, é sociólogo, bacharel em direito e um dos maiores especialistas em segurança pública no país. Um dos seus livros mais conhecidos é Controle da criminalidade e segurança pública na nova ordem constitucional, da editora Forense (1990).

Nenhum comentário:

Postar um comentário